Heterónimos
Alberto Caeiro
Alberto Caeiro nasceu em Lisboa em 1889 e faleceu em 1915. Era de estatura média (frágil) e era louro de olhos azuis. Tinha apenas a instrução primária e não tinha profissão. Viveu toda a sua vida no campo.
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É o mestre de Pessoa, com o qual o poeta quer aprender:
- a viver sem dor; - a não procurar encontrar sentido para a vida; - a sentir sem pensar; - a ser um ser uno, ou seja, fragmentado. Criador do Sensacionismo, vive de sensações, sobretudo visuais, afirmando que é preciso "saber ver sem estar a pensar", sem tentar "encontrar um sentido às coisas", porque "as coisas não têm significação: têm existência"; Recusa a introspeção e a subjetividade, liga-se ao mundo exterior, com passividade e alegria. É o poeta do real objetivo; Identifica-se com a natureza, vive segundo o seu ritmo, deseja nela diluir-se, integrando-se nas leis do universo, como se fosse um rio ou uma árvore; Vive no presente, não quer saber do passado nem do futuro; Lírico, instintivo, ingénuo; Defende a existência antes do pensamento. O corpo antes do espírito. |
Transformação do abstrato no concreto,frequentemente através da comparação; Predomínio do nome sobre o adjetivo; Sintaxe, com recurso frequente às conexões de adição, oposição, causa, tempo e comparação; Simplicidade de linguagem e tom familiar; Liberdade estrófica e do verso, ausência de rima.
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De seguida, deixo-vos o 9º poema de "O Guardador de Rebanhos".
"Sou um guardador de rebanhos.
O rebanho é os meus pensamentos
E os meus pensamentos são todos sensações.
Penso com os olhos e com os ouvidos
E com as mãos e os pés
E com o nariz e a boca.
Pensar uma flor é vê-la e cheirá-la
E comer um fruto é saber-lhe o sentido.
Por isso quando num dia de calor
Me sinto triste de gozá-lo tanto,
E me deito ao comprido na erva,
E fecho os olhos quentes,
Sinto todo o meu corpo deitado na realidade,
Sei a verdade e sou feliz."
Através deste poema podemos verificar facilmente que para o sujeito poético a natureza é a sua realidade. Bem como o facto do eu lírico viver de sensações, sensacionismo.
Ricardo Reis
Ricardo Reis nasceu no Porto em 1887. Era moreno, forte e baixo. Médico de profissão e viveu no Brasil.
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Estilo |
Díscípulo de Caeiro, como o mestre aconselha a aceitação da calma de ordem das coisas e faz o elogio da vida campestre indiferente ao social ("aurea mediocritas"); Faz dos gregos o modelo de sabedoria (aceitação fatalisata do destino de uma forma resignada, mas digna e altiva) e do poeta Latino Horácio o modelo poético; Reflete sobre o fluir do tempo, tem consciência da dor provocada pela natureza precária do homem; Manifesta medo da velhice e da morte; Faz o elogio do epicurismo- a sabedeoria consiste em gozar o presente ("Carpe diem"); Faz o elogio do estoicismo; A sabedoria consiste na aceitação da condição humana através da disciplina e da razão; Paganismo assumido. |
Estilo neoclássico, com utilização preferencial da ode (composição de origem grega) particularmente influenciado pelo poetaLatinoHorácio; Presença frequente de elementos mitolóficos; Uso preferencial do decassílabo combinado com o hexassílabo, verso branco; Linguagem culta, rebuscada, sentenciosa (uso recorente do imperativo); Frequente utilização do hipérbato e de latinismos.
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O Epicurismo consiste na recusa da concetualização, apologia das sensações, atitude de indiferença face aos deuses e ao destino, rejeição das "agitações do mundo" e procura o estado de ataraxia.
O Estoicismo consiste na defesa da corporalidade, aceitação do destino e defesa do estado de apatia.
O poema que apresento é "Vem sentar-te comigo Lídia, à beira do rio".
"Vem sentar-te comigo Lídia, à beira do rio.
Sossegadamente fitemos o seu curso e aprendamos
Que a vida passa, e não estamos de mãos enlaçadas.
(Enlacemos as mãos.)
Depois pensemos, crianças adultas, que a vida
Passa e não fica, nada deixa e nunca regressa,
Vai para um mar muito longe, para ao pé do Fado,
Mais longe que os deuses.
Desenlacemos as mãos, porque não vale a pena cansarmo-nos.
Quer gozemos, quer nao gozemos, passamos como o rio.
Mais vale saber passar silenciosamente
E sem desassosegos grandes.
Sem amores, nem ódios, nem paixões que levantam a voz,
Nem invejas que dão movimento demais aos olhos,
Nem cuidados, porque se os tivesse o rio sempre correria,
E sempre iria ter ao mar.
Amemo-nos tranquilamente, pensando que podiamos,
Se quiséssemos, trocar beijos e abraços e carícias,
Mas que mais vale estarmos sentados ao pé um do outro
Ouvindo correr o rio e vendo-o.
Colhamos flores, pega tu nelas e deixa-as
No colo, e que o seu perfume suavize o momento -
Este momento em que sossegadamente nao cremos em nada,
Pagãos inocentes da decadência.
Ao menos, se for sombra antes, lembrar-te-as de mim depois
Sem que a minha lembrança te arda ou te fira ou te mova,
Porque nunca enlaçamos as mãos, nem nos beijamos
Nem fomos mais do que crianças.
E se antes do que eu levares o o'bolo ao barqueiro sombrio,
Eu nada terei que sofrer ao lembrar-me de ti.
Ser-me-ás suave à memória lembrando-te assim - à beira-rio,
Pagã triste e com flores no regaço."
Realçam-se vários traços da poesia de Ricardo Reis, entre os quais, o carpe diem, a aurea mediocritas, viver a vida com calma e tranquilidade sem envolvimento com os outros.
Álvaro de Campos
Álvaro de Campos nasceu em Tavira em 1890. Era alto (1,75cm), magro, entre louro e moreno. Vive em Lisboa e era engenheiro naval (formou-se em Glasgow).
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Poeta modernista, a sua poesia apresenta 3 fases: decadentista, futurista e pessoal-intimista; Predomínio da emoção espontânea e torrencial; Excitação da procura, da busca incessante, ansiedade e confusão emocional; Elogio da civilização industrial, moderna, da velocidade e confusão emocional; Fuga para a recordação e/ou sonho que tendem a substituir a vida real; Angústia existencial, sentido do absurdo, tédio, náusea, cansaço, desencontro com os outros; Presença terrível e labiríntica do eu de que o poeta se tenta libertar; Fragmentação do eu, perda de identidade; Ceticismo e ironia. |
Verso livre, longo, por vezes articulado com o verso curto; Estilo torrencial, dinâmico (sobretudo nos poemas futuristas); Uso de repetições, anáforas, onomatopeias, exclamações, interjeições; Uso de comparações e metáforas inesperadas, antíteses e paradoxos; Poetização do prosaico, do comum e quotidiano.
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Um excerto da "Ode Triunfal".
"À dolorosa luz das grandes lâmpadas eléctricas da fábrica
Tenho febre e escrevo.
Escrevo rangendo os dentes, fera para a beleza disto,
Para a beleza disto totalmente desconhecida dos antigos.
Ó rodas, ó engrenagens, r-r-r-r-r-r-r eterno!
Forte espasmo retido dos maquinismos em fúria!
Em fúria fora e dentro de mim,
Por todos os meus nervos dissecados fora,
Por todas as papilas fora de tudo com que eu sinto!
Tenho os lábios secos, ó grandes ruídos modernos,
De vos ouvir demasiadamente de perto,
E arde-me a cabeça de vos querer cantar com um excesso
De expressão de todas as minhas sensações,
Com um excesso contemporâneo de vós, ó máquinas!"
Na Ode Triunfal é visível a revolta do poeta, a agitação, o elogio à máquina, à indústria, à modernidade, visível a fase mais pura do modernismo de Fernando Pessoa, desejo do poeta ser como as máquinas...